Waterfront - Cape Town

Crédito: Vitor Vinicios

Uma surpresa urbanística no sul da África

Acabamos de voltar da Cidade do Cabo.
E, sinceramente, ainda estou processando.

A expectativa era ver paisagens naturais, viver contrastes culturais e conhecer mais da história sul-africana. Mas a surpresa maior veio de onde eu menos esperava: do chão. Do jeito como a cidade se organiza, pulsa e convida.

Entre o nevoeiro na Table Mountain e o céu ameaçando chuva, fomos caminhando pelo V&A Waterfront — um pedaço regenerado da cidade à beira-mar. Não sei bem quando aconteceu, mas em algum momento entre o som de um músico de rua, os prédios espelhados, as pessoas correndo à beira dos canais e o cheiro do café recém-passado... algo virou a chave.

Nem sei explicar exatamente o quê — só sei que, ali, entendi que estava diante de algo especial.

Um bairro que não pede permissão para acontecer

O Waterfront não parece um “empreendimento”. Parece uma cidade que se descobriu.

Ali, a frente marítima não é apenas vista — é vivida.
As calçadas são largas. O mobiliário urbano, generoso.
Há espaço para o luxo e para a simplicidade.
Para o turista e para quem corre no fim do dia.
Para o design e para o improviso.

De um lado, prédios corporativos com arquitetura ousada.
De outro, o mercado de orgânicos.
Logo adiante, o Zeitz MOCAA ocupa os antigos silos industriais com brutalismo poético — cimento, luz e arte se abraçando de um jeito que emociona.
E mais adiante, bancos de madeira moldados à escadaria convidam ao descanso. Nada grita. Tudo se encaixa.

Uma orla que se reconstruiu sem perder a alma

Nem sempre foi assim.

O V&A Waterfront começou a ganhar forma no fim dos anos 1980, quando parte do antigo porto de Cape Town foi sendo desativado. O que antes era infraestrutura logística, cercado de galpões e silos industriais, passou a ser visto como um pedaço precioso da cidade — com vocação para mais do que cargas e contêineres.

A transformação não foi um projeto de marketing urbano. Foi uma jornada longa, feita de muitas camadas. Em 2006, a área foi comprada por um consórcio que unia investidores privados e instituições públicas. Depois, já em 2011, passou a ser controlada por uma joint venture entre o fundo de pensão dos funcionários públicos da África do Sul e a maior empresa de propriedades do país. Um misto raro — e valioso — de estratégia imobiliária e visão coletiva.

Durante a Copa do Mundo de 2010, o V&A já era um dos cartões-postais da cidade. Mas foi nos anos seguintes que ele se consolidou como um dos maiores exemplos de reurbanização inteligente do hemisfério sul: plural, vivo, seguro, sofisticado sem arrogância.

Hoje, o bairro é lar de museus como o Zeitz MOCAA (um antigo silo transformado em arte), de hotéis, galerias, cafés, empresas globais, startups locais e espaços públicos que funcionam de verdade. Tudo isso sem perder a escala humana — o que talvez seja seu maior feito.

A cidade não foi empurrada para fora. Ela foi trazida de volta.

Branding que começa na calçada

Para quem trabalha com posicionamento e desenvolvimento imobiliário, viver o Waterfront é um lembrete poderoso: o entorno não é cenário. É parte da entrega. E talvez seja o ativo mais subestimado da nossa indústria.

Quando a cidade funciona bem, o branding se torna orgânico.
A incorporadora deixa de vender apenas m² e passa a oferecer pertencimento.
O produto conversa com o lugar. E o lugar devolve reputação.

No Waterfront, é fácil perceber o que o mercado imobiliário ganha quando deixa de pensar apenas “de porta pra dentro”.
Porque o bom urbanismo não é só uma pauta da prefeitura.
É um aliado da marca, da atratividade, do ticket e da preferência.

Quando o coletivo é bem cuidado, o individual floresce com muito mais força.

O valor que se constrói com o tempo

Tudo isso, claro, se traduz em valor.
Valor para quem investe. Para quem mora. Para quem visita.

Mas não é o tipo de valor imediato, efêmero ou pautado em lançamentos.
É o valor que se acumula pela permanência. Pela confiança no uso.
Pelo entendimento de que um bom projeto urbano não é sobre vender metros quadrados, mas sobre sustentar experiências que façam sentido.

E o Waterfront faz.
Com arte, com memória, com espontaneidade.
Com bancos voltados para o canal. Com cadeiras onde não precisa haver.
Com respeito à história — e coragem de propor o novo.

Quando o lugar acredita em si mesmo

Fiquei pensando em como tantas outras cidades — no Brasil e no mundo — poderiam se beneficiar de um olhar mais generoso e corajoso sobre suas próprias orlas, centros e vacâncias urbanas.

Mas talvez esse não seja um artigo com respostas.
É mais um convite à observação.

Porque ali, entre cafés, corredores e barcos atracados, a Cidade do Cabo parece dizer:
“É possível. E pode ser incrível.”

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